sábado, 13 de julho de 2013

2- Conhecendo um estranho





Beth
     
                Depois da igreja, deveria ser um dia de descanso, para se recuperar e carregar as baterias para a semana seguinte. Era um dia para se passar em família, preparar um assado na cozinha e caminhar, relaxar, à beira do rio.
                Talvez, até agarrar-se a um bom livro, tomando uns goles de vinho ou um banho de espuma na banheira.
                O que não queria fazer era passar o dia todo limpando cocô de cachorro no gramado de treinamento dos cães, nem limpando as casinhas dos cachorros, ou treinando uma dúzia deles, um após o outro, muito menos sentar em um escritório claustrofóbico recebendo pessoas, vindo buscar seus cachorrinhos de estimação, relaxados em casinhas com ar condicionado. Mas, obviamente, era exatamente isso o que ela estava fazendo desde que tinha voltado da igreja pela manhã.
                Dois cães já haviam sido entregues, porém mais quatro ainda estavam agendados para aquele dia. Nana tinha sido muito gentil deixando todas as fichas arrumadas antes de entrar em casa para assistir ao jogo. O Atlanta Braves jogava contra o Mets, Nana não só tinha uma fervorosa paixão pelo Atlanta Braves, que Beth achava ridícula, como também amava toda e qualquer parafernália relacionada ao time. O que obviamente explicava as xícaras de café do Atlanta Braves empilhadas em cima do balcão, as bandeiras do Atlanta Braves penduradas nas paredes, calendário de mesa do Atlanta Braves e o abajur do Atlanta Braves perto da janela.
                Mesmo com a porta aberta, era sufocante dentro do escritório. Era um daqueles dias quentes e úmidos de verão, ótimos para nadar no rio, mas inadequados para qualquer outra atividade. Sua camisa estava ensopada de suor e, como estava de shorts, as pernas grudavam no forro de vinil da cadeira. Cada vez que mexia as pernas, ouvia o som delas se desgrudando, como se estivesse tirando a fita adesiva de uma caixa de papelão. Nojento
                Pensou em ir buscar um copo de água gelada em casa, mas tinha a estranha sensação de que, assim que saísse do escritório, os donos da cocker spaniel viriam buscá-la do treinamento de obediência. Tinham telefonado há meia hora, dizendo que estavam a caminho. "Em dez minutos estaremos aí" — e eram daquele tipo de pessoa que se chateava se sua cocker spaniel tivesse de passar um minuto a mais do que o necessário no canil, considerando que já tinha ficado ali por duas semanas.
                Seria bem mais fácil se Ben estivesse por perto. Viu-o na igreja de manhã, tão triste quanto ela já esperava junto com o pai. Como sempre, não se divertiu nem um pouco. Ele telefonou para ela antes de dormir dizendo que Keith havia ficado quase a noite toda sentado na varanda enquanto ele limpava a cozinha. Ela tentava imaginar qual seria o problema. Por que será que ele não poderia curtir a presença do filho? Ou sentar-se com ele para conversar? Ben era esperto. Tinha senso de humor. Era naturalmente gentil. Era educado. Ben era maravilhoso, e o fato de Keith não se dar conta disso a deixava louca.
                Ela queria muito mesmo estar dentro de casa fazendo... alguma coisa.
                     Pensando ser melhor deixar a documentação pronta para o estranho deixar seu cachorro, tirou uma ficha do armário e prendeu-a na prancheta. Procurou uma caneta na gaveta e colocou tudo em cima do balcão, na mesma hora em que o estranho e seu cão entraram no escritório.


                 — Seu cachorro é muito bonito — disse Beth, aproximando o formulário na direção dele. O som da sua própria voz havia quebrado o silêncio constrangedor. — Já tive um pastor-alemão. Como ele se chama?
                — Este é Zeus. E obrigado.
                — Olá, Zeus.
                O cachorro inclinou sua cabeça para o lado.
                — Só preciso que você preencha o formulário. E se tiver uma cópia dos registros veterinários, seria ótimo. Ou poderia nos fornecer o telefone do veterinário.
                — Como?
                — A ficha veterinária. Você está aqui para hospedar o Zeus, não está?
                - Não. Na verdade, vi a placa na janela. Estou procurando trabalho e queria saber se o cargo ainda está disponível.
                Beth não estava esperando por isso e tentou se recompor.

                — Ah!
                — Sei que deveria ter telefonado primeiro, mas estava passando por aqui e pensei se não seria melhor me apresentar pessoalmente e ver se poderia preencher uma ficha de inscrição. Mas, se preferir, posso voltar amanhã.
                — Não, não é isso. Estou só surpresa. As pessoas geralmente não aparecem aos domingos para se candidatar para um emprego — explicou.
                Na verdade, elas não aparecem em nenhum outro dia da semana também, mas deixou esse comentário para lá.
                — Tenho uma ficha em algum lugar por aqui — disse e virou para o armário atrás dela. — Só me dê um segundo para encontrá-la — abriu a gaveta e começou a procurar no meio dos arquivos. — Qual o seu nome?
                — Logan Thibault.
                — É francês?
                — Por parte de pai.
                — Não o vi por aqui antes.
                — Sou novo na cidade.
                — Achei! — disse ao pegar a ficha de inscrição. — Aqui está ela.

Colocou a ficha e uma caneta na frente dele, em cima do balcão. Enquanto ele escrevia o nome, percebeu que a pele dele era meio áspera, o que a levou a crer que ele havia passado muito tempo debaixo do sol. Na segunda linha da ficha, fez uma pausa e olhou para cima, cruzando seus olhares pela segunda vez.
                Beth sentiu um leve rubor no pescoço e tentou esconder ajeitando a camisa.
                — Não sei qual endereço escrever. Como disse, acabei de chegar e estou no Holiday Motor Court. Mas posso pôr o endereço da minha mãe, no Colorado.
                Qual você prefere?
                — Colorado?
                — É, eu sei. Meio longe daqui.
                — O que te trouxe aqui?
                " Você", pensou. " Vim encontrar você".
                — Parece uma boa cidade e pensei em tentar a sorte por aqui.

                — Você não tem família aqui?
                — Ninguém.
                — Ah! — bonito ou não, a história dele tinha alguma coisa estranha e Beth sentia seu sexto sentido começando a dar sinal de vida. Tinha mais alguma coisa que não batia na história dele, ela não conseguia tirar isso da cabeça; levou alguns minutos para entender o que era, mas, quando entendeu, deu um passo para trás, procurando aumentar a distância entre eles.
                — Se você acabou de chegar à cidade, como ficou sabendo que estávamos contratando no canil? Eu não coloquei anúncio no jornal nesta semana.
                — Eu vi a placa.
                — Quando? — perguntou, com os olhos semicerrados. — Eu vi quando você chegou e só dava para ver a placa aproximando-se da porta do escritório.
                — Eu vi hoje, um pouco mais cedo. Estávamos caminhando pela estrada e Zeus ouviu os cães latindo. Veio nessa direção e, quando vim atrás dele, vi a placa. Não havia ninguém por perto, então pensei em voltar mais tarde para ver se dava mais sorte.
                A história era plausível, mas ela sentia que ele estava mentindo ou escondendo algo. E por que teria estado ali antes? Estaria espionando o local?

                 — Continua sendo uma perda de tempo preencher a ficha?
                — Ainda não decidi — intuitivamente, sentiu que ele estava dizendo a verdade dessa vez, mas continuava convencida de que ele ainda escondia alguma coisa. Mordeu a bochecha. Precisava de um ajudante. O que era mais importante: saber o que ele estava escondendo ou contratar um novo empregado?
                — Por que você quer trabalhar aqui? — a pergunta pareceu suspeita até para ela. — Com um diploma, provavelmente conseguiria um emprego melhor na cidade.
                Apontou para Zeus.
                — Gosto de cachorros.

                — O salário é baixo.
                — Não preciso de muito.
                — A jornada de trabalho é longa.
                — Imaginei que fosse.
                — Já trabalhou em um canil antes?
                — Não.
                — Entendi.
                Ele sorriu.

                — Onde está o seu carro?
                — Não tenho carro.
                — Como veio para cá?
                — Andando.
                Beth piscou, sem entender nada.
                — Você está me dizendo que andou do Colorado até aqui?
                — Sim.
                — Não acha isso estranho?
                — Suponho que dependa do motivo.
                — E qual o seu motivo?
                — Gosto de andar.

 
Sentindo-se meio perdida e confusa, afastou os cabelos suados que caíam à testa.
                — Eu ainda não entendi direito. Você atravessa o país, chega a Hampton, diz que gostou do lugar e agora quer trabalhar aqui?
                — Exatamente isso.
                — Não tem mais nada a acrescentar?
                — Mais nada.
                Ela abriu a boca para dizer algo, mas mudou de idéia.
                    — Espere um pouco...
                Nos dez minutos que se seguiram, Beth ficou olhando por detrás das cortinas da janela da sala de estar. Nana não ficou no escritório para entrevistá-lo.Em vez disso, sentaram-se em um banco de madeira à sombra da magnólia. Zeus, cochilando aos pés deles, de vez em quando levantava as orelhas para espantar as moscas. Beth não conseguia entender o que eles conversavam, mas Nana franziu a testa em alguns momentos, o que poderia indicar que a entrevista não estivesse indo muito bem. No fim, Logan Thibault e Zeus foram embora pelo caminho de cascalho, retornando à estrada principal, e Nana os observava com uma expressão de preocupação.
                
Da cozinha, ouviu a porta da frente ranger e Nana entrar.
                — Como foi?
                — Foi bem.
                — O que você achou?
                — Foi... interessante. Ele é inteligente e educado, mas você está certa, com certeza ele está escondendo algo.
                — Então, como nós ficamos nessa história? Coloco outro anúncio no jornal?
                — Vamos ver o que vai dar primeiro.
                Beth achou não ter entendido o que Nana disse.
                — Está dizendo que vai contratá-lo?
                — Não. Estou dizendo que já o contratei. Ele começa quarta-feira, às 8
                horas.
                — Por que fez isso?
                — Confio nele — deu um sorriso triste, como se soubesse exatamente o que Beth estava pensando. — Mesmo sendo um ex-fuzileiro.


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