Beth
Depois
da igreja, deveria ser um dia de descanso, para se recuperar e carregar as
baterias para a semana seguinte. Era um dia para se passar em família, preparar
um assado na cozinha e caminhar, relaxar, à beira do rio.
Talvez,
até agarrar-se a um bom livro, tomando uns goles de vinho ou um banho de espuma
na banheira.
O que
não queria fazer era passar o dia todo limpando cocô de cachorro no gramado de
treinamento dos cães, nem limpando as casinhas dos cachorros, ou treinando uma
dúzia deles, um após o outro, muito menos sentar em um escritório
claustrofóbico recebendo pessoas, vindo buscar seus cachorrinhos de estimação,
relaxados em casinhas com ar condicionado. Mas, obviamente, era exatamente isso
o que ela estava fazendo desde que tinha voltado da igreja pela manhã.
Dois
cães já haviam sido entregues, porém mais quatro ainda estavam agendados para
aquele dia. Nana tinha sido muito gentil deixando todas as fichas arrumadas
antes de entrar em casa para assistir ao jogo. O Atlanta Braves jogava contra o
Mets, Nana não só tinha uma fervorosa paixão pelo Atlanta Braves, que Beth
achava ridícula, como também amava toda e qualquer parafernália relacionada ao
time. O que obviamente explicava as xícaras de café do Atlanta Braves
empilhadas em cima do balcão, as bandeiras do Atlanta Braves penduradas nas
paredes, calendário de mesa do Atlanta Braves e o abajur do Atlanta Braves
perto da janela.
Mesmo
com a porta aberta, era sufocante dentro do escritório. Era um daqueles dias
quentes e úmidos de verão, ótimos para nadar no rio, mas inadequados para
qualquer outra atividade. Sua camisa estava ensopada de suor e, como estava de
shorts, as pernas grudavam no forro de vinil da cadeira. Cada vez que mexia as
pernas, ouvia o som delas se desgrudando, como se estivesse tirando a fita
adesiva de uma caixa de papelão. Nojento
Pensou
em ir buscar um copo de água gelada em casa, mas tinha a estranha sensação de
que, assim que saísse do escritório, os donos da cocker spaniel viriam buscá-la
do treinamento de obediência. Tinham telefonado há meia hora, dizendo que
estavam a caminho. "Em dez minutos estaremos aí" — e eram daquele
tipo de pessoa que se chateava se sua cocker spaniel tivesse de passar um
minuto a mais do que o necessário no canil, considerando que já tinha ficado
ali por duas semanas.
Seria
bem mais fácil se Ben estivesse por perto. Viu-o na igreja de manhã, tão triste
quanto ela já esperava junto com o pai. Como sempre, não se divertiu nem um
pouco. Ele telefonou para ela antes de dormir dizendo que Keith havia ficado
quase a noite toda sentado na varanda enquanto ele limpava a cozinha. Ela
tentava imaginar qual seria o problema. Por que será que ele não poderia curtir
a presença do filho? Ou sentar-se com ele para conversar? Ben era esperto. Tinha senso de
humor. Era naturalmente gentil. Era educado. Ben era maravilhoso, e o fato de
Keith não se dar conta disso a deixava louca.
Ela
queria muito mesmo estar dentro de casa fazendo... alguma coisa.
Pensando
ser melhor deixar a documentação pronta para o estranho deixar seu cachorro,
tirou uma ficha do armário e prendeu-a na prancheta. Procurou uma caneta na
gaveta e colocou tudo em cima do balcão, na mesma hora em que o estranho e seu
cão entraram no escritório.
— Seu cachorro é muito bonito — disse Beth, aproximando o
formulário na direção dele. O som da sua própria voz havia quebrado o silêncio constrangedor.
— Já tive um pastor-alemão. Como ele se chama?
— Este
é Zeus. E obrigado.
— Olá,
Zeus.
O
cachorro inclinou sua cabeça para o lado.
— Só
preciso que você preencha o formulário. E se tiver uma cópia dos registros
veterinários, seria ótimo. Ou poderia nos fornecer o telefone do veterinário.
— Como?
— A
ficha veterinária. Você está aqui para hospedar o Zeus, não está?
- Não.
Na verdade, vi a placa na janela. Estou procurando trabalho e queria saber se o
cargo ainda está disponível.
Beth não
estava esperando por isso e tentou se recompor.
— Ah!
— Sei
que deveria ter telefonado primeiro, mas estava passando por aqui e pensei se
não seria melhor me apresentar pessoalmente e ver se poderia preencher uma
ficha de inscrição. Mas, se preferir, posso voltar amanhã.
— Não,
não é isso. Estou só surpresa. As pessoas geralmente não aparecem aos domingos
para se candidatar para um emprego — explicou.
Na
verdade, elas não aparecem em nenhum outro dia da semana também, mas deixou
esse comentário para lá.
— Tenho
uma ficha em algum lugar por aqui — disse e virou para o armário atrás dela. —
Só me dê um segundo para encontrá-la — abriu a gaveta e começou a procurar no
meio dos arquivos. — Qual o seu nome?
— Logan
Thibault.
— É
francês?
— Por
parte de pai.
— Não o
vi por aqui antes.
— Sou
novo na cidade.
—
Achei! — disse ao pegar a ficha de inscrição. — Aqui está ela.
Colocou a ficha e uma caneta na frente dele, em cima do
balcão. Enquanto ele escrevia o nome, percebeu que a pele dele era meio áspera,
o que a levou a crer que ele havia passado muito tempo debaixo do sol. Na
segunda linha da ficha, fez uma pausa e olhou para cima, cruzando seus olhares
pela segunda vez.
Beth
sentiu um leve rubor no pescoço e tentou esconder ajeitando a camisa.
— Não
sei qual endereço escrever. Como disse, acabei de chegar e estou no Holiday
Motor Court. Mas posso pôr o endereço da minha mãe, no Colorado.
Qual
você prefere?
—
Colorado?
— É, eu
sei. Meio longe daqui.
— O que
te trouxe aqui?
"
Você", pensou. " Vim encontrar você".
—
Parece uma boa cidade e pensei em tentar a sorte por aqui.
— Você não tem família aqui?
—
Ninguém.
— Ah! —
bonito ou não, a história dele tinha alguma coisa estranha e Beth sentia seu
sexto sentido começando a dar sinal de vida. Tinha mais alguma coisa que não
batia na história dele, ela não conseguia tirar isso da cabeça; levou alguns
minutos para entender o que era, mas, quando entendeu, deu um passo para trás,
procurando aumentar a distância entre eles.
— Se
você acabou de chegar à cidade, como ficou sabendo que estávamos contratando no
canil? Eu não coloquei anúncio no jornal nesta semana.
— Eu vi
a placa.
—
Quando? — perguntou, com os olhos semicerrados. — Eu vi quando você chegou e só
dava para ver a placa aproximando-se da porta do escritório.
— Eu vi
hoje, um pouco mais cedo. Estávamos caminhando pela estrada e Zeus ouviu os
cães latindo. Veio nessa direção e, quando vim atrás dele, vi a placa. Não
havia ninguém por perto, então pensei em voltar mais tarde para ver se dava
mais sorte.
A
história era plausível, mas ela sentia que ele estava mentindo ou escondendo
algo. E por que teria estado ali antes? Estaria espionando o local?
— Continua sendo uma perda de tempo preencher a ficha?
— Ainda
não decidi — intuitivamente, sentiu que ele estava dizendo a verdade dessa vez,
mas continuava convencida de que ele ainda escondia alguma coisa. Mordeu a
bochecha. Precisava de um ajudante. O que era mais importante: saber o que ele
estava escondendo ou contratar um novo empregado?
— Por
que você quer trabalhar aqui? — a pergunta pareceu suspeita até para ela. — Com
um diploma, provavelmente conseguiria um emprego melhor na cidade.
Apontou
para Zeus.
— Gosto
de cachorros.
— O salário é baixo.
— Não
preciso de muito.
— A
jornada de trabalho é longa.
—
Imaginei que fosse.
— Já
trabalhou em um canil antes?
— Não.
—
Entendi.
Ele
sorriu.
— Onde está o seu carro?
— Não
tenho carro.
— Como
veio para cá?
—
Andando.
Beth
piscou, sem entender nada.
— Você
está me dizendo que andou do Colorado até aqui?
— Sim.
— Não
acha isso estranho?
—
Suponho que dependa do motivo.
— E
qual o seu motivo?
— Gosto
de andar.
Sentindo-se meio perdida e confusa, afastou os cabelos
suados que caíam à testa.
— Eu
ainda não entendi direito. Você atravessa o país, chega a Hampton, diz que
gostou do lugar e agora quer trabalhar aqui?
—
Exatamente isso.
— Não
tem mais nada a acrescentar?
— Mais
nada.
Ela
abriu a boca para dizer algo, mas mudou de idéia.
—
Espere um pouco...
Nos dez
minutos que se seguiram, Beth ficou olhando por detrás das cortinas da janela
da sala de estar. Nana não ficou no escritório para entrevistá-lo.Em vez disso,
sentaram-se em um banco de madeira à sombra da magnólia. Zeus, cochilando aos
pés deles, de vez em quando levantava as orelhas para espantar as moscas. Beth
não conseguia entender o que eles conversavam, mas Nana franziu a testa em
alguns momentos, o que poderia indicar que a entrevista não estivesse indo
muito bem. No fim, Logan Thibault e Zeus foram embora pelo caminho de cascalho,
retornando à estrada principal, e Nana os observava com uma expressão de
preocupação.
Da cozinha, ouviu a porta da frente ranger e Nana entrar.
— Como
foi?
— Foi
bem.
— O que
você achou?
—
Foi... interessante. Ele é inteligente e educado, mas você está certa, com
certeza ele está escondendo algo.
—
Então, como nós ficamos nessa história? Coloco outro anúncio no jornal?
— Vamos
ver o que vai dar primeiro.
Beth
achou não ter entendido o que Nana disse.
— Está
dizendo que vai contratá-lo?
— Não.
Estou dizendo que já o contratei. Ele começa quarta-feira, às 8
horas.
— Por
que fez isso?
—
Confio nele — deu um sorriso triste, como se soubesse exatamente o que Beth
estava pensando. — Mesmo sendo um ex-fuzileiro.
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