Já tinha aprendido bem as rotinas fundamentais de sua função: alimentar e exercitar os cães, limpar os cais e agendar as visitas. Simples. Tinha quase certeza de que Nana estava pensando em chamá-lo para ajudá-la no treinamento com os cães. Um dia antes, ela havia pedido que ele observasse seu trabalho com um dos cães, o que o fez se lembrar do treinamento de Zeus: ordens claras e simples, comandos visuais, guia firme pela coleira e muitos elogios. Quando acabou, pediu que caminhasse com ela enquanto devolvia o cão ao canil.
— Você
acha que consegue fazer esse tipo de trabalho? — Nana perguntou.
— Acho
que sim.
Deu uma
olhada por cima do ombro para Zeus que vinha atrás deles.
— Foi
assim que treinou Zeus?
— Foi.
Ao ser
entrevistado por Nana, Thibault fez dois pedidos. Primeiro, gostaria de poder
trazer Zeus para trabalhar com ele. Ele explicou que, depois de passarem tanto
tempo juntos, Zeus não ia reagir bem a longas separações diurnas.
Felizmente,
Nana entendeu.
—
Trabalhei muitos anos com pastores, sei o que você quer dizer. Desde que ele
não atrapalhe, para mim está tudo bem.
Zeus
nunca atrapalhava. Thibault logo aprendeu a não levar Zeus para dentro das
casinhas dos canis enquanto alimentava ou limpava os animais, pois sua presença
deixava alguns nervosos. Fora isso, Zeus estava totalmente adaptado. Ele o
seguia quando Thibault exercitava os outros cães no campo de treinamento e
ficava na varanda, na porta do escritório quando Thibault cuidava da
papelada. Sempre que um cliente chegava, ficava alerta, como havia sido
treinado. Isso era o suficiente para fazer alguns clientes recuarem, mas um
simples "está tudo bem" bastava para deixá-lo à vontade.O segundo pedido que fez a Nana foi para começar na quarta-feira, assim ele teria algum tempo para colocar a vida em ordem, pedido que ela também aceitou. No domingo, ao sair do canil, comprou um jornal e começou a procurar uma casa para alugar. Não foi uma tarefa difícil, pois só havia quatro casas disponíveis e ele imediatamente já eliminou as duas maiores, pois não precisava de um lugar tão grande.
Desde que havia começado, na quarta-feira, havia passado a maior parte do tempo com Nana, conhecendo todos os espaços da casa. Mal viu Beth, ou Elizabeth, como gostava de pensar nela; ela saía de manhã para trabalhar e só voltava no fim da tarde. Nana havia falado qualquer coisa sobre reunião de professores, o que fazia sentido, já que as aulas começariam na semana seguinte.
Seu horário oficial de trabalho era das 8 às 17 horas. O horário extra oficial era das 7 às 19 horas. Não gostava de sair sabendo que tinha deixado alguma coisa inacabada. Convenientemente, isso lhe dava uma chance de ver Elizabeth voltar do trabalho. A proximidade gera familiaridade que, por sua vez, gera a confiança. E sempre que a via, lembrava a si mesmo que estava ali por ela.Sabia mais, porém, sobre ela. Sabia que tinha um filho, por exemplo. Isso foi uma pequena surpresa, não tinha pensado nessa possibilidade. Seu nome era Ben. Parecia um garoto legal, pelo pouco que pôde observar. Nana havia dito que Ben jogava xadrez, mas não falou mais nada. Ben o observava por detrás da cortina, ou ficava olhando na direção de Thibault e Nana quando conversavam.
Thibault virou-se e viu Ben em pé na clareira. Deu de
ombros.
— Não
faço a mínima idéia. Acho que está latindo para os peixes.
Ele
ajeitou os óculos.
— Ele
sempre faz isso?
—
Sempre que vem aqui.
—
Estranho.
—
Também acho.
Zeus percebeu
que Ben estava lá e certificou-se de que não havia ameaça evidente, assim,
voltou a mergulhar a cabeça e a latir. Ben não saiu do lugar. Sem saber o que
dizer em seguida, Thibault continuou comendo seu sanduíche.
— Vi
você vir aqui ontem — disse Ben.
— Viu?
— Eu
segui você.
—
Seguiu?
— Minha
casa da árvore fica ali — disse, apontando com a mão. — É meu esconderijo
secreto.
— É bom
ter um esconderijo. Quer se sentar?
— Não
posso chegar tão perto.
— Por
quê?
— Minha
mãe disse que você é um estranho.
— É
sempre bom ouvir a mãe.
— Você vai trabalhar aqui?
— Estou
trabalhando aqui.
— Não
foi isso que quis dizer. Quis dizer se você vai desistir..
— Não planejo isso — Thibault ergueu a sobrancelha. — Por
quê?
—
Porque os dois últimos que vieram desistiram. Não gostavam de limpar cocô.
— Não é
todo mundo que gosta.
— Você
se incomoda?
— Na
verdade, não.
— Não
gosto do cheiro — disse Ben, fazendo caretas.
— A
maioria das pessoas não gosta. Eu tento ignorar o cheiro.
Ajeitou
novamente os óculos.
— De
onde você teve a idéia de dar a ele o nome de Zeus?
Thibault
não conseguiu esconder o sorriso. Havia se esquecido do quanto as crianças
podem ser curiosas.
— Ele
já tinha esse nome quando eu o comprei.
— E por
que não mudou o nome dele?
— Não
sei. Nunca pensei nisso.
— A
gente tinha um pastor-alemão. O nome dele era Oliver.
— É
mesmo?
— Ele
morreu.
— Sinto
muito.
— Não
faz mal. Ele já estava velho.
— Meu nome é Ben.
—
Prazer em conhecê-lo, Ben. Eu sou Logan Thibault.
— Você
veio mesmo a pé do Colorado até aqui?
— Quem
falou isso para você?
— Ouvi
minha mãe conversando com a Nana. Disseram que a maioria das pessoas normais
teria vindo de carro.
— Elas
têm razão.
— Não
ficou com dor nas pernas?
— No
começo, sim. Mas, depois de um tempo, fui me acostumando a caminhar. Zeus
também. Na verdade, acho que ele gostou da caminhada. Sempre havia algo novo a
ser visto, e milhões de esquilos para correr atrás.
Deitado de lado, Zeus levantou os olhos e ficou alerta. Um
pouco depois, Thibault ouviu passos de alguém no caminho e a voz de Elizabeth
por entre as árvores.
— Ben?
— Estou
aqui, mamãe!
Thibault levantou a mão para Zeus.
— Está
tudo bem..
— Até
que enfim te achei. O que está fazendo aqui fora?
Sua expressão amigável congelou assim que viu Thibault, e ele
conseguiu perfeitamente ler a mente dela: "O que meu filho está fazendo no
meio da mata com um homem que mal conheço?" Thibault não viu necessidade
de se defender.
Não
havia feito nada de errado. Assim, apenas acenou com a cabeça.
— Olá.
— Oi —
disse, com cautela, com Ben já correndo para ela.
— Você
tinha de ver o que o cachorro dele consegue fazer. Ele é super esperto. Muito
mais do que o Oliver era...
— Que
ótimo — disse, colocando o braço ao redor dos ombros dele. — Vamos para casa? O
almoço está na mesa.
— Até logo, Sr. Thibault — disse Ben.
Thibault
virou-se e, voltando um pouco para trás.
— Foi
muito bom conversar com você, Ben. Ah! E não me chame de Sr.
Thibault.
Só Thibault, está bem?
Assim,
deu meia-volta e, sentindo o peso do olhar de Elizabeth, desapareceu de vista.
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