terça-feira, 16 de julho de 2013

8-Saindo à dois




Thibault
                No sábado à noite, Thibault esperou no sofá, imaginando se estava fazendo a coisa certa.
                Em outra época e lugar, não teria pensado duas vezes. Sentia-se atraído por Elizabeth, com certeza. Gostava da sua franqueza e da sua inteligência, juntamente com seu senso de humor brincalhão e, claro, sua aparência. Por isso, não dava para imaginar como tinha ficado solteira por tanto tempo.
                Mas não estava em outra época e lugar, e nada daquilo era normal. Trazia a fotografia dela consigo há mais de cinco anos. Atravessou o país por ela. Veio até Hampton e aceitou um emprego que o mantinha perto dela. Ficou amigo da avó dela, do filho dela e depois dela. E, agora, estava prestes a ter seu primeiro encontro com ela.
                Tinha vindo por um motivo. Aceitou esse fato assim que saiu do Colorado. Aceitou o fato de que Victor estava certo. Contudo, ainda não tinha certeza de que encontrá-la — e tornar-se íntimo dela — era o motivo. Também não tinha certeza de que não era.
                A única coisa de que tinha certeza era que estava esperando ansiosamente por seu primeiro encontro. Um dia antes, pensou o tempo todo sobre isso enquanto dirigia sozinho pela estrada para buscar Nana. Na primeira meia hora de volta a Hampton, Nana conversou sobre tudo, desde política até sobre a saúde da sua irmã, antes de virar para ele com um sorriso maroto que eleja conhecia.
                — Então, quer dizer que você vai sair com a neta da patroa, hein?
                Ele se mexeu no assento.
                — Ela te falou.
                — Claro que ela me falou. Mas, mesmo se não tivesse me falado, sabia que isso ia acontecer. Dois jovens atraentes, solteiros e sozinhos? Sabia que isso ia acontecer no momento em que o contratei.
                Thibault não disse nada, e, quando Nana falou, sua voz estava repleta de melancolia.

                — Ela é doce como mel. Preocupo-me com ela às vezes.
                — Eu sei.
                A conversa tinha parado por ali, mas tinha sido suficiente para que soubesse que tinha o consentimento de Nana, algo que considerava importante, dado o lugar que Nana ocupava na vida de Elizabeth.
                Agora, com a noite começando a cair, viu o carro de Elizabeth aproximando-se da casa, com a parte da frente balançando levemente ao passar pelos buracos. Ela não tinha falado nada a ele sobre aonde iriam, disse apenas que se vestisse informalmente. Ele saiu na varanda quando ela estacionou na frente da casa. Zeus veio atrás, com a curiosidade em alerta. Quando Elizabeth saiu e aproximou-se da fraca luz da varanda, tudo o que fez foi olhar para ela.
                Como ele, estava de jeans, mas a blusa creme que usava realçava a sua pele bronzeada. Seus cabelos cor de mel caíam na altura do pescoço da blusa sem mangas, e ele percebeu que ela tinha uma maquiagem suave. Parecia familiar e, ao mesmo tempo, tentadoramente desconhecida.
                Zeus desceu os degraus, balançando a cauda e latindo, e parou ao lado dela.
                — Oi, Zeus. Sentiu minha falta? Foi um dia longo — disse, fazendo carinho nele, e Zeus latiu como que se queixando, antes de lamber a mão dela. — Isso sim foi um cumprimento — olhou para Thibault. — Como vai? Estou atrasada?
                Tentou parecer descontraído.
                — Estou bem. E você chegou bem na hora. Estou feliz que tenha vindo.
                — Pensou que eu não viria?
                — Este lugar não é tão fácil de se encontrar.
                — Não se você passou a vida inteira nesta cidade — apontou em direção a casa. — Então, esse é o seu lar?
                — É.
                — É legal — disse, olhando ao redor.
                — Era o que você esperava?
                — Sim. Sólido. Eficiente. Meio escondido.

                Ele mostrou entender o duplo sentido com um sorriso, depois virou-se para Zeus e deu o comando para ficar na varanda.
                Desceu a escada para aproximar-se dela.
                — Ele vai ficar bem aqui fora?
                — Vai. Não vai nem se mexer.
                — Mas a gente vai demorar.
                — Eu sei.
                — Impressionante.
                — Parece. Mas cães não têm muita noção de tempo. Em um minuto, não vai se lembrar de mais nada a não ser do fato de que tem de ficar ali. Mas não sabe o motivo.
                — Como você aprendeu tanto sobre treinamento? — ela perguntou, curiosa.
                — Principalmente nos livros.
                — Você lê?
                Ele fez uma cara zombeteira.
                — Sim. Surpresa?
                — Sim. É difícil carregar livros em uma travessia a pé pelo país.
                — Não se você se desfizer deles depois de lê-los.
                Foram até o carro e, quando Thibault foi em direção à porta do motorista para abrir para ela, Elizabeth balançou a cabeça.
                — Posso ter convidado você para sair, mas você é quem vai dirigir.
                — E eu que pensei que estivesse saindo com uma mulher emancipada — protestou.
                — Sou uma mulher emancipada, mas quem dirige é você. E paga a conta também.

                Ele riu ao acompanhá-la até o outro lado. Quando se sentou atrás da direção, ela olhou para a varanda. Zeus parecia confuso com os acontecimentos, e ela o ouviu choramingar novamente.
                — Ele parece triste.
                — Deve estar. Raramente nos separamos.
                — Malvado!
                Sorriu pelo seu tom brincalhão e deu marcha ré no carro.
                — Devo ir ao centro da cidade?
                — Não. Vamos sair da cidade hoje à noite. Vá para a estrada principal em direção à costa. Não vamos à praia, mas tem um lugar muito bom no caminho.
                Aviso quando nos aproximarmos da saída da estrada.
                Thibault fez como ela falou, dirigindo pelas ruas tranquilas conforme ia ficando mais escuro. Em poucos minutos, chegaram à estrada, e, conforme o carro foi ganhando velocidade, as imagens das árvores dos dois lados da estrada ficaram indistintas. Sombras alongavam--se pela estrada, deixando o interior do carro escuro.

                — Se você não se importar com a minha pergunta, mas como Ben reagiu quando você disse que ia sair comigo hoje à noite?
                — Reagiu bem. Ele e Nana já estavam planejando assistir a alguns vídeos.
                Falaram ao telefone durante a semana e combinaram de fazer uma noite de cinema. Marcaram a data e tudo mais.
                — Eles sempre fazem isso?
                — Costumavam fazer o tempo todo, mas será a primeira vez desde o AVC. Sei que Ben está super animado com isso. Nana faz pipoca e deixa-o ficar acordado até mais tarde.
                — Diferente da mãe, claro.
                — Claro — sorriu. — O que você acabou fazendo hoje?
                — Dando uma ajeitada na casa. Limpando, lavando roupa, fazendo compras, coisas do tipo.
                Ela ergueu a sobrancelha.
                — Estou impressionada. Você é realmente um animal doméstico. Dá para fazer uma moeda pular em cima da cama depois de arrumá-la?
                — Claro.

                — Vai ter de ensinar o Ben a fazer isso, — Se você quiser.
                Do lado de fora, as primeiras estrelas começaram a surgir, e os faróis do carro dançavam pelas curvas da estrada.
                — Para onde exatamente estamos indo? — perguntou Thibault.
                —Você gosta de caranguejo?
                — Adoro!
                — Já é um bom começo. E de dançar shag?
                — Nem sei o que é isso.
                — Bem, digamos que você vai ter de aprender rapidamente.
                Quarenta minutos depois, Thibault estacionou na frente de um lugar que parecia ter sido um armazém. Elizabeth o tinha levado à área industrial do centro da cidade de Wilmington, e eles pararam o carro na frente de um prédio de três andares, com tábuas largas, envelhecidas ao lado. Não tinha muita diferença dos prédios vizinhos, não fosse por um estacionamento com quase 100 carros estacionados e uma pequena passarela de madeira circundando o prédio, iluminada pelas mesmas luzes brancas e baratas, usadas no Natal.

                — Original. Mas estou tendo dificuldades em ver esse local como uma grande atração turística.
                — Não é, é restrito às pessoas da região. Uma das minhas amigas da faculdade me deu a indicação, e eu sempre quis vir.
                — Você nunca veio aqui?
                — Não. Mas sei que é muito divertido.

                E assim foi em direção à passarela de madeira. Bem à frente, o rio brilhava, como se seu interior estivesse iluminado. O som da música ia ficando cada vez mais alto. Quando abriram a porta, a música os atingiu como uma onda, e o aroma dos caranguejos na manteiga envolvia o ar. Thibault fez uma pausa para se adaptar a tudo aquilo.
                O enorme interior do edifício era rústico e sem adereços. Á parte da frente estava lotada de várias mesas de piquenique cobertas com toalhas plásticas vermelhas e brancas, que pareciam grampeadas à madeira. As mesas estavam cheias e barulhentas, e Thibault viu garçonetes servindo baldes de caranguejos em todas as mesas. Nos centros das mesas havia pequenas vasilhas com manteiga derretida e vasilhas ainda menores à frente. Todos usavam babadores de plástico e pegavam os caranguejos nos baldes gigantes, comendo-os com as mãos.
                Cerveja parecia ser a bebida eleita.
                Bem na frente deles, do lado que fazia margem com o rio, havia um bar comprido — se é que aquilo poderia ser chamado de bar. Parecia ser feito de madeira rejeitada, colocada em cima de alguns velhos barris. As pessoas faziam filas triplas para serem servidas. Do lado oposto do edifício, ficava o que parecia ser a cozinha. O que mais lhe chamou a atenção foi o palco montado do outro lado do prédio, onde Thibault viu uma banda tocando "My girl", dos Temptations. Havia, pelo menos, 100 pessoas dançando na frente do palco, seguindo os passos de uma dança que ele não conhecia.

                Uma mulher magra, aparentando uns 40 e poucos anos, ruiva e de avental, aproximou-se deles.
                — Olá. Comer ou dançar?
                — Os dois — disse Elizabeth.
                — Nomes?
                Eles se entreolharam.
                — Elizabeth... — ele disse.
                — E Logan — ela concluiu.
                A mulher anotou os nomes deles em um bloco de papel.
                — Agora, a última pergunta: diversão ou família?

                Elizabeth ficou confusa.
                — Como?
                A mulher estourou o chiclete.
                — Vocês nunca vieram aqui antes, vieram?
                — Não.
                — É assim. Vocês vão ter de dividir a mesa com alguém. É assim que funciona aqui. Todo mundo divide. Agora, vocês podem pedir diversão, o que significa que querem uma mesa cheia de energia, ou podem pedir família, o que é geralmente mais tranquilo. Mas não posso garantir como vai ser a sua mesa. Só faço a pergunta. Então, o que será? Família ou diversão?
                Elizabeth e Thibault entreolharam-se novamente e chegaram à mesma conclusão.
                — Diversão — disseram ao mesmo tempo.
                Acabaram indo parar em uma mesa com seis estudantes da Universidade da Carolina do Norte, em Wilmington. A garçonete os apresentou como Matt, Sarah, Tim, Allison, Megan e Steve, e os estudantes ergueram seus copos e disseram juntos: — Olá, Elizabeth! Olá, Logan! Nós temos crabs.
                Thibault segurou o riso diante do trocadilho — a palavra crab era uma gíria para uma espécie de micose adquirida durante relações sexuais, o que era obviamente o que eles queriam dizer — mas ficou confuso quando percebeu que eles estavam inesperadamente encarando-o.

                A garçonete sussurrou: — Vocês devem dizer: queremos crabs, principalmente se vocês passarem para nós.
                Dessa vez, ele riu, junto com Elizabeth, antes de dizer o que tinha de dizer, participando do ritual que todo mundo parecia seguir por ali.
                Sentaram de frente um para o outro. Elizabeth acabou sentando ao lado de Steve, que não conseguia esconder o fato de tê-la achado extremamente atraente, enquanto Thibault sentou-se ao lado de Megan, que não mostrou interesse algum por ele, pois estava muito mais interessada em Matt.

                Uma garçonete gorducha e cabeluda passou por eles, e mal parou para dizer:
                — Mais crabs?
                — Pode me dar crabs a hora que quiser — os estudantes respondiam em coro. À sua volta, Thibault ouviu a mesma resposta inúmeras vezes. A outra op-
                ção que também se ouvia era: " Não acredito que você me passou crabs", que dava a entender que não era para servir mais. Ele se lembrou do The Rocky Horror Picture Show 11, em que os clientes sabiam todas as respostas oficiais, e os novatos iam aprendendo com eles.
                A comida era de primeira classe. O cardápio só tinha um único item, preparado de uma única maneira, e todo balde vinha com guardanapos extras e babadores. Restos de caranguejos eram jogados nos centros das mesas — uma tradição — e, de vez em quando, adolescentes usando aventais vinham retirá-los.

                Como prometido, os estudantes eram barulhentos. Contavam piadas sem parar, muitas indiretas inofensivas para Elizabeth, e duas cervejas para cada um, o que só aumentava a euforia. Depois do jantar, Thibault e Elizabeth foram ao toalete para lavar as mãos. Quando voltaram, ela pegou no braço dele.
                — Pronto para dançar shag? — perguntou sugestivamente.
                — Não tenho certeza. Como é que se faz?
                — Aprender a dançar o shag é como aprender a ser sulista. É aprender a relaxar enquanto você ouve o oceano e sente a música.
                — Suponho que já tenha feito isso antes.
                — Uma ou duas vezes — disse, com falsa modéstia.
                — E você vai me ensinar?
                — Serei sua parceira. Mas a aula começa às 21 horas.
                — A aula?

                — Todo sábado à noite. É por isso que está tão lotado. Eles dão aulas para iniciantes enquanto os frequentadores habituais descansam, e faremos o que eles mandarem. Começa às 21 horas.
                — Que horas são?
                Ela olhou no relógio.
                — É hora de aprender o shag.

                Elizabeth dançava muito melhor do que havia dado a entender, o que, felizmente, fez com que ele não parecesse tão mal na pista de dança também.
                Mas o melhor de dançar com ela era a descarga quase elétrica que sentia sempre que tocava ou sentia o cheiro dela quando girava seus braços, uma mistura de calor e perfume. Seu cabelo ficava selvagem com o ar úmido, e sua pele brilhava ao transpirar, deixando-a mais natural e indomada. De vez em quando, olhava para ele ao girar, seus lábios se abriam em um sorriso já conhecido, como se soubesse exatamente o efeito que provocava nele.
                Quando a banda resolveu fazer um intervalo, seu primeiro instinto foi sair da pista junto com a multidão, mas Elizabeth o fez parar quando a gravação tocou " Unforgettable", de Nat King Cole. Ela olhou para ele e na mesma hora ele soube o que devia fazer.
                Sem falar nada, deslizou um braço em suas costas e segurou na mão dela, colocando-se em posição. Ficaram olhando um para o outro enquanto ele a puxava para mais perto de si, e, bem devagar, começaram a se mover ao ritmo da música, girando em suaves círculos.

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