Thibault
No
sábado à noite, Thibault esperou no sofá, imaginando se estava fazendo a coisa
certa.
Em
outra época e lugar, não teria pensado duas vezes. Sentia-se atraído por
Elizabeth, com certeza. Gostava da sua franqueza e da sua inteligência,
juntamente com seu senso de humor brincalhão e, claro, sua aparência. Por isso,
não dava para imaginar como tinha ficado solteira por tanto tempo.
Mas não
estava em outra época e lugar, e nada daquilo era normal. Trazia a fotografia
dela consigo há mais de cinco anos. Atravessou o país por ela. Veio até Hampton
e aceitou um emprego que o mantinha perto dela. Ficou amigo da avó dela, do
filho dela e depois dela. E, agora, estava prestes a ter seu primeiro encontro
com ela.
Tinha
vindo por um motivo. Aceitou esse fato assim que saiu do Colorado. Aceitou o
fato de que Victor estava certo. Contudo, ainda não tinha certeza de que
encontrá-la — e tornar-se íntimo dela — era o motivo. Também não tinha certeza
de que não era.
A única
coisa de que tinha certeza era que estava esperando ansiosamente por seu
primeiro encontro. Um dia antes, pensou o tempo todo sobre isso enquanto
dirigia sozinho pela estrada para buscar Nana. Na primeira meia hora de volta a
Hampton, Nana conversou sobre tudo, desde política até sobre a saúde da sua
irmã, antes de virar para ele com um sorriso maroto que eleja conhecia.
—
Então, quer dizer que você vai sair com a neta da patroa, hein?
Ele se
mexeu no assento.
— Ela
te falou.
— Claro
que ela me falou. Mas, mesmo se não tivesse me falado, sabia que isso ia
acontecer. Dois jovens atraentes, solteiros e sozinhos? Sabia que isso ia
acontecer no momento em que o contratei.
Thibault
não disse nada, e, quando Nana falou, sua voz estava repleta de melancolia.
— Ela é
doce como mel. Preocupo-me com ela às vezes.
— Eu
sei.
A
conversa tinha parado por ali, mas tinha sido suficiente para que soubesse que
tinha o consentimento de Nana, algo que considerava importante, dado o lugar
que Nana ocupava na vida de Elizabeth.
Agora,
com a noite começando a cair, viu o carro de Elizabeth aproximando-se da casa,
com a parte da frente balançando levemente ao passar pelos buracos. Ela não
tinha falado nada a ele sobre aonde iriam, disse apenas que se vestisse
informalmente. Ele saiu na varanda quando ela estacionou na frente da casa.
Zeus veio atrás, com a curiosidade em alerta. Quando Elizabeth saiu e
aproximou-se da fraca luz da varanda, tudo o que fez foi olhar para ela.
Como
ele, estava de jeans, mas a blusa creme que usava realçava a sua pele
bronzeada. Seus cabelos cor de mel caíam na altura do pescoço da blusa sem
mangas, e ele percebeu que ela tinha uma maquiagem suave. Parecia familiar e,
ao mesmo tempo, tentadoramente desconhecida.
Zeus
desceu os degraus, balançando a cauda e latindo, e parou ao lado dela.
— Oi,
Zeus. Sentiu minha falta? Foi um dia longo — disse, fazendo carinho nele, e
Zeus latiu como que se queixando, antes de lamber a mão dela. — Isso sim foi um
cumprimento — olhou para Thibault. — Como vai? Estou atrasada?
Tentou
parecer descontraído.
— Estou
bem. E você chegou bem na hora. Estou feliz que tenha vindo.
—
Pensou que eu não viria?
— Este
lugar não é tão fácil de se encontrar.
— Não
se você passou a vida inteira nesta cidade — apontou em direção a casa. —
Então, esse é o seu lar?
— É.
— É
legal — disse, olhando ao redor.
— Era o
que você esperava?
— Sim.
Sólido. Eficiente. Meio escondido.
Ele
mostrou entender o duplo sentido com um sorriso, depois virou-se para Zeus e
deu o comando para ficar na varanda.
Desceu
a escada para aproximar-se dela.
— Ele
vai ficar bem aqui fora?
— Vai.
Não vai nem se mexer.
— Mas a
gente vai demorar.
— Eu
sei.
—
Impressionante.
— Parece.
Mas cães não têm muita noção de tempo. Em um minuto, não vai se lembrar de mais
nada a não ser do fato de que tem de ficar ali. Mas não sabe o motivo.
— Como
você aprendeu tanto sobre treinamento? — ela perguntou, curiosa.
—
Principalmente nos livros.
— Você
lê?
Ele fez
uma cara zombeteira.
— Sim.
Surpresa?
— Sim.
É difícil carregar livros em uma travessia a pé pelo país.
— Não
se você se desfizer deles depois de lê-los.
Foram
até o carro e, quando Thibault foi em direção à porta do motorista para abrir
para ela, Elizabeth balançou a cabeça.
— Posso
ter convidado você para sair, mas você é quem vai dirigir.
— E eu
que pensei que estivesse saindo com uma mulher emancipada — protestou.
— Sou
uma mulher emancipada, mas quem dirige é você. E paga a conta também.
Ele riu
ao acompanhá-la até o outro lado. Quando se sentou atrás da direção, ela olhou
para a varanda. Zeus parecia confuso com os acontecimentos, e ela o ouviu
choramingar novamente.
— Ele
parece triste.
— Deve
estar. Raramente nos separamos.
—
Malvado!
Sorriu
pelo seu tom brincalhão e deu marcha ré no carro.
— Devo
ir ao centro da cidade?
— Não.
Vamos sair da cidade hoje à noite. Vá para a estrada principal em direção à
costa. Não vamos à praia, mas tem um lugar muito bom no caminho.
Aviso
quando nos aproximarmos da saída da estrada.
Thibault
fez como ela falou, dirigindo pelas ruas tranquilas conforme ia ficando mais
escuro. Em poucos minutos, chegaram à estrada, e, conforme o carro foi ganhando
velocidade, as imagens das árvores dos dois lados da estrada ficaram
indistintas. Sombras alongavam--se pela estrada, deixando o interior do carro
escuro.
— Se
você não se importar com a minha pergunta, mas como Ben reagiu quando você
disse que ia sair comigo hoje à noite?
—
Reagiu bem. Ele e Nana já estavam planejando assistir a alguns vídeos.
Falaram
ao telefone durante a semana e combinaram de fazer uma noite de cinema.
Marcaram a data e tudo mais.
— Eles
sempre fazem isso?
—
Costumavam fazer o tempo todo, mas será a primeira vez desde o AVC. Sei que Ben
está super animado com isso. Nana faz pipoca e deixa-o ficar acordado até mais
tarde.
—
Diferente da mãe, claro.
— Claro
— sorriu. — O que você acabou fazendo hoje?
— Dando
uma ajeitada na casa. Limpando, lavando roupa, fazendo compras, coisas do tipo.
Ela
ergueu a sobrancelha.
— Estou
impressionada. Você é realmente um animal doméstico. Dá para fazer uma moeda
pular em cima da cama depois de arrumá-la?
—
Claro.
— Vai
ter de ensinar o Ben a fazer isso, — Se você quiser.
Do lado
de fora, as primeiras estrelas começaram a surgir, e os faróis do carro
dançavam pelas curvas da estrada.
— Para
onde exatamente estamos indo? — perguntou Thibault.
—Você
gosta de caranguejo?
—
Adoro!
— Já é
um bom começo. E de dançar shag?
— Nem
sei o que é isso.
— Bem,
digamos que você vai ter de aprender rapidamente.
Quarenta
minutos depois, Thibault estacionou na frente de um lugar que parecia ter sido
um armazém. Elizabeth o tinha levado à área industrial do centro da cidade de
Wilmington, e eles pararam o carro na frente de um prédio de três andares, com
tábuas largas, envelhecidas ao lado. Não tinha muita diferença dos prédios vizinhos,
não fosse por um estacionamento com quase 100 carros estacionados e uma pequena
passarela de madeira circundando o prédio, iluminada pelas mesmas luzes brancas
e baratas, usadas no Natal.
— Original.
Mas estou tendo dificuldades em ver esse local como uma grande atração
turística.
— Não
é, é restrito às pessoas da região. Uma das minhas amigas da faculdade me deu a
indicação, e eu sempre quis vir.
— Você
nunca veio aqui?
— Não.
Mas sei que é muito divertido.
E assim
foi em direção à passarela de madeira. Bem à frente, o rio brilhava, como se
seu interior estivesse iluminado. O som da música ia ficando cada vez mais
alto. Quando abriram a porta, a música os atingiu como uma onda, e o aroma dos
caranguejos na manteiga envolvia o ar. Thibault fez uma pausa para se adaptar a
tudo aquilo.
O enorme
interior do edifício era rústico e sem adereços. Á parte da frente estava
lotada de várias mesas de piquenique cobertas com toalhas plásticas vermelhas e
brancas, que pareciam grampeadas à madeira. As mesas estavam cheias e
barulhentas, e Thibault viu garçonetes servindo baldes de caranguejos em todas
as mesas. Nos centros das mesas havia pequenas vasilhas com manteiga derretida
e vasilhas ainda menores à frente. Todos usavam babadores de plástico e pegavam
os caranguejos nos baldes gigantes, comendo-os com as mãos.
Cerveja
parecia ser a bebida eleita.
Bem na
frente deles, do lado que fazia margem com o rio, havia um bar comprido — se é
que aquilo poderia ser chamado de bar. Parecia ser feito de madeira rejeitada,
colocada em cima de alguns velhos barris. As pessoas faziam filas triplas para
serem servidas. Do lado oposto do edifício, ficava o que parecia ser a cozinha.
O que mais lhe chamou a atenção foi o palco montado do outro lado do prédio,
onde Thibault viu uma banda tocando "My girl", dos Temptations.
Havia, pelo menos, 100 pessoas dançando na frente do palco, seguindo os passos
de uma dança que ele não conhecia.
Uma
mulher magra, aparentando uns 40 e poucos anos, ruiva e de avental,
aproximou-se deles.
— Olá.
Comer ou dançar?
— Os
dois — disse Elizabeth.
—
Nomes?
Eles se
entreolharam.
—
Elizabeth... — ele disse.
— E
Logan — ela concluiu.
A
mulher anotou os nomes deles em um bloco de papel.
—
Agora, a última pergunta: diversão ou família?
Elizabeth
ficou confusa.
— Como?
A
mulher estourou o chiclete.
— Vocês
nunca vieram aqui antes, vieram?
— Não.
— É
assim. Vocês vão ter de dividir a mesa com alguém. É assim que funciona aqui.
Todo mundo divide. Agora, vocês podem pedir diversão, o que significa que
querem uma mesa cheia de energia, ou podem pedir família, o que é geralmente
mais tranquilo. Mas não posso garantir como vai ser a sua mesa. Só faço a
pergunta. Então, o que será? Família ou diversão?
Elizabeth
e Thibault entreolharam-se novamente e chegaram à mesma conclusão.
—
Diversão — disseram ao mesmo tempo.
Acabaram
indo parar em uma mesa com seis estudantes da Universidade da Carolina do
Norte, em Wilmington. A garçonete os apresentou como Matt, Sarah, Tim, Allison,
Megan e Steve, e os estudantes ergueram seus copos e disseram juntos: — Olá,
Elizabeth! Olá, Logan! Nós temos crabs.
Thibault
segurou o riso diante do trocadilho — a palavra crab era uma gíria para uma
espécie de micose adquirida durante relações sexuais, o que era obviamente o
que eles queriam dizer — mas ficou confuso quando percebeu que eles estavam
inesperadamente encarando-o.
A
garçonete sussurrou: — Vocês devem dizer: queremos crabs, principalmente se
vocês passarem para nós.
Dessa
vez, ele riu, junto com Elizabeth, antes de dizer o que tinha de dizer,
participando do ritual que todo mundo parecia seguir por ali.
Sentaram
de frente um para o outro. Elizabeth acabou sentando ao lado de Steve, que não
conseguia esconder o fato de tê-la achado extremamente atraente, enquanto
Thibault sentou-se ao lado de Megan, que não mostrou interesse algum por ele,
pois estava muito mais interessada em Matt.
Uma
garçonete gorducha e cabeluda passou por eles, e mal parou para dizer:
— Mais
crabs?
— Pode
me dar crabs a hora que quiser — os estudantes respondiam em coro. À sua volta,
Thibault ouviu a mesma resposta inúmeras vezes. A outra op-
ção que
também se ouvia era: " Não acredito que você me passou crabs", que
dava a entender que não era para servir mais. Ele se lembrou do The Rocky
Horror Picture Show 11, em que os clientes sabiam todas as respostas oficiais,
e os novatos iam aprendendo com eles.
A
comida era de primeira classe. O cardápio só tinha um único item, preparado de
uma única maneira, e todo balde vinha com guardanapos extras e babadores.
Restos de caranguejos eram jogados nos centros das mesas — uma tradição — e, de
vez em quando, adolescentes usando aventais vinham retirá-los.
Como
prometido, os estudantes eram barulhentos. Contavam piadas sem parar, muitas
indiretas inofensivas para Elizabeth, e duas cervejas para cada um, o que só
aumentava a euforia. Depois do jantar, Thibault e Elizabeth foram ao toalete
para lavar as mãos. Quando voltaram, ela pegou no braço dele.
—
Pronto para dançar shag? — perguntou sugestivamente.
— Não tenho
certeza. Como é que se faz?
—
Aprender a dançar o shag é como aprender a ser sulista. É aprender a relaxar
enquanto você ouve o oceano e sente a música.
—
Suponho que já tenha feito isso antes.
— Uma
ou duas vezes — disse, com falsa modéstia.
— E
você vai me ensinar?
— Serei
sua parceira. Mas a aula começa às 21 horas.
— A
aula?
— Todo
sábado à noite. É por isso que está tão lotado. Eles dão aulas para iniciantes
enquanto os frequentadores habituais descansam, e faremos o que eles mandarem.
Começa às 21 horas.
— Que
horas são?
Ela
olhou no relógio.
— É
hora de aprender o shag.
Elizabeth
dançava muito melhor do que havia dado a entender, o que, felizmente, fez com
que ele não parecesse tão mal na pista de dança também.
Mas o
melhor de dançar com ela era a descarga quase elétrica que sentia sempre que
tocava ou sentia o cheiro dela quando girava seus braços, uma mistura de calor
e perfume. Seu cabelo ficava selvagem com o ar úmido, e sua pele brilhava ao
transpirar, deixando-a mais natural e indomada. De vez em quando, olhava para
ele ao girar, seus lábios se abriam em um sorriso já conhecido, como se
soubesse exatamente o efeito que provocava nele.
Quando
a banda resolveu fazer um intervalo, seu primeiro instinto foi sair da pista
junto com a multidão, mas Elizabeth o fez parar quando a gravação tocou "
Unforgettable", de Nat King Cole. Ela olhou para ele e na mesma hora ele
soube o que devia fazer.
Sem
falar nada, deslizou um braço em suas costas e segurou na mão dela,
colocando-se em posição. Ficaram olhando um para o outro enquanto ele a puxava
para mais perto de si, e, bem devagar, começaram a se mover ao ritmo da música,
girando em suaves círculos.
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